Censura ou Responsabilidade? Parlamentares Pedem Retirada de Músicas de MC Poze e Oruam das Plataformas
A cena do funk e do trap brasileiro voltou a ser alvo de controvérsia após a mobilização de um grupo de parlamentares que solicitou ao Ministério Público Federal (MPF) a retirada de músicas dos artistas MC Poze do Rodo e Oruam das plataformas de streaming. O pedido reacende um debate antigo: onde termina a liberdade artística e começa a responsabilidade social?
Os parlamentares alegam que determinadas faixas dos dois artistas fazem apologia ao crime, enaltecendo facções criminosas e, supostamente, incentivando práticas ilícitas. De acordo com os autores da representação, o conteúdo das canções ultrapassaria os limites da liberdade de expressão, podendo configurar incitação à violência e à criminalidade, especialmente entre jovens e adolescentes que compõem a maior parte do público desses artistas.
A ofensiva política ocorre em um momento em que o funk e o trap alcançam índices recordes de popularidade no Brasil e no exterior. MC Poze do Rodo e Oruam são expoentes desse movimento, acumulando bilhões de visualizações nas redes sociais e plataformas digitais. Suas letras, muitas vezes cruas e explícitas, retratam a realidade das comunidades periféricas, abordando temas como desigualdade, sobrevivência, ostentação e conflitos com a lei.
A solicitação feita ao MPF visa à adoção de medidas concretas para que plataformas como Spotify, YouTube e outras retirem ou bloqueiem o acesso às faixas consideradas problemáticas. O argumento central é o de que tais conteúdos, ao permanecerem disponíveis sem qualquer filtro ou advertência, podem reforçar estereótipos negativos e contribuir para a banalização da violência.
Em contraponto, defensores dos artistas e especialistas em direitos civis apontam para o risco de censura e para a necessidade de garantir a liberdade de expressão como um pilar fundamental da democracia. Argumentam que a música, enquanto manifestação artística, é um reflexo da sociedade e que calar essas vozes seria uma forma de silenciar a vivência das periferias, que historicamente encontram no funk e no trap um canal de expressão e resistência.
O episódio também evidencia a crescente judicialização da cultura no Brasil, com parlamentares e órgãos públicos recorrendo com maior frequência ao sistema de Justiça para coibir manifestações culturais consideradas inadequadas. Esse movimento suscita questionamentos sobre os limites do poder do Estado na regulação da cultura e sobre a autonomia das plataformas digitais na curadoria de seus conteúdos.
Até o momento, os artistas envolvidos não se pronunciaram oficialmente sobre o pedido, mas seus fãs, sempre atuantes nas redes sociais, já iniciaram campanhas em defesa da permanência das músicas online, alegando que a tentativa de proibição fere direitos individuais e representa mais um capítulo do preconceito estrutural contra as culturas periféricas.
A atuação do MPF diante da demanda será decisiva para estabelecer um precedente sobre a regulação de conteúdos musicais no país. O caso envolve não apenas os interesses dos artistas e das plataformas, mas também questões éticas e jurídicas sobre liberdade de expressão, proteção da infância e juventude e o papel do Estado na mediação dessas tensões.
Independentemente do desfecho, o episódio reforça como o funk e o trap, mais do que gêneros musicais, se consolidaram como territórios simbólicos de disputa política, social e cultural no Brasil contemporâneo.