Uma disputa silenciosa, mas de grandes proporções institucionais, está em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF): a obrigatoriedade da inscrição de advogados públicos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O julgamento, embora técnico em sua essência, carrega implicações que ultrapassam o campo jurídico e podem alterar significativamente a estrutura da advocacia estatal e a própria autoridade da OAB no cenário nacional.
A controvérsia gira em torno de uma pergunta aparentemente simples: servidores que exercem a advocacia em nome do Estado — como procuradores, advogados da União, defensores públicos e membros de procuradorias municipais e estaduais — precisam estar inscritos na OAB para exercer suas funções? A resposta, no entanto, divide ministros, especialistas e operadores do Direito em dois campos com argumentos robustos e visões de mundo opostas.
De um lado, há quem sustente que esses profissionais, por atuarem exclusivamente em nome da administração pública e não prestarem serviços à iniciativa privada, não exercem a advocacia nos moldes convencionais definidos pela OAB. Para esse grupo, o vínculo com a Ordem seria desnecessário, pois a fiscalização e o controle ético já são realizados pelas próprias corregedorias internas dos órgãos aos quais estão vinculados. Além disso, defendem que o ingresso na carreira pública, por meio de concurso, já pressupõe capacitação técnica e comprometimento com a legalidade.
Na outra ponta da discussão, está a tese de que a advocacia pública é uma das manifestações legítimas e indissociáveis da advocacia como função essencial à justiça, conforme previsto na Constituição. Segundo esse entendimento, a inscrição na OAB não apenas garante prerrogativas importantes para o exercício da função, como também assegura o controle ético e o pertencimento institucional de todos os profissionais que atuam no campo jurídico, evitando a fragmentação da profissão em castas diferenciadas.
A discussão alcança também aspectos práticos e financeiros. A eventual desobrigação da inscrição representaria, por exemplo, uma perda considerável de receitas para a OAB, que hoje conta com milhares de advogados públicos em seus quadros. Para além disso, esvaziaria parte de sua influência política e simbólica sobre esse grupo estratégico da máquina pública.
Há ainda um componente político-institucional delicado: se o STF optar por liberar os advogados públicos da exigência, estará sinalizando uma interpretação mais flexível da natureza da advocacia estatal. Se mantiver a obrigatoriedade, reforçará a força normativa e representativa da OAB como entidade que transcende o universo da advocacia privada.
Independentemente do desfecho, o julgamento deve produzir reflexos duradouros. A decisão poderá redefinir a forma como os advogados públicos se relacionam com as estruturas de poder jurídico e político, influenciar concursos e carreiras, alterar normas de conduta e até motivar movimentos legislativos futuros para regular a matéria com mais clareza.
Trata-se, portanto, de uma discussão que vai muito além da burocracia. Está em jogo o conceito de advocacia no Brasil e o espaço que cada instituição ocupa dentro do sistema de Justiça. Na balança, pesam não apenas interpretações legais, mas visões de Estado, autonomia profissional e o equilíbrio entre tradição e evolução institucional. O STF, mais uma vez, será chamado a decidir não apenas com base nas letras da lei, mas na complexa arquitetura da república.