Em uma sessão marcada por forte polarização política e votação concluída durante a madrugada, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que altera critérios fundamentais para o cálculo de penas em crimes contra o Estado Democrático de Direito. A proposta modifica a forma como juízes aplicam a dosimetria penal, abrindo caminho para a redução de condenações impostas a envolvidos nos ataques às instituições ocorridos em janeiro de 2023, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro.
O texto aprovado promove mudanças relevantes no Código Penal ao redefinir a forma de somar ou absorver penas quando mais de um crime é cometido no mesmo contexto. Na prática, deixa de ser automática a soma das condenações por delitos como tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e associação criminosa, passando a prevalecer a punição mais grave. Essa mudança pode representar uma diminuição expressiva no tempo total de prisão de condenados.
Outro ponto central do projeto está na flexibilização das regras para progressão de regime. Para réus primários condenados por crimes que não envolvam violência direta contra pessoas, o tempo mínimo de cumprimento da pena em regime fechado ou semiaberto poderá ser reduzido. Com isso, a possibilidade de progressão para regimes mais brandos ocorre mais rapidamente do que prevê a legislação atual.
O texto também distingue o grau de participação dos condenados. Aqueles que não tenham exercido liderança, financiamento ou planejamento das ações poderão ter penas reduzidas de forma mais significativa. A justificativa apresentada durante o debate é a de individualizar responsabilidades, separando organizadores e articuladores dos participantes que aderiram aos atos de forma circunstancial ou impulsiva.
A aprovação provocou reações imediatas no plenário. Parlamentares contrários ao projeto afirmaram que a medida enfraquece o combate a crimes contra a democracia e representa, na prática, uma anistia indireta. Para esses deputados, a mudança legislativa abre um precedente perigoso ao aliviar punições de ações que atentaram contra os Três Poderes e a ordem constitucional.
Já os defensores da proposta sustentaram que o objetivo não é perdoar crimes, mas corrigir excessos punitivos e garantir proporcionalidade nas sentenças. Segundo esse entendimento, penas elevadas teriam sido fixadas com base na soma automática de crimes que ocorreram no mesmo episódio, o que resultaria em condenações consideradas desproporcionais em comparação a outros delitos previstos na legislação penal.
A sessão foi marcada por momentos de tensão, tentativas de obstrução e discursos acalorados. Mesmo assim, os destaques que buscavam alterar pontos centrais do texto foram rejeitados, consolidando a versão aprovada como base do projeto. A condução dos trabalhos durante a madrugada também foi alvo de críticas, principalmente pela rapidez da votação em um tema sensível.
Com a aprovação na Câmara, a proposta segue agora para análise do Senado. Caso seja confirmada sem alterações relevantes, poderá entrar em vigor e permitir a reavaliação de penas já impostas, desde que os novos critérios sejam considerados mais favoráveis aos condenados.
A mudança legislativa reacende o debate sobre os limites entre justiça penal, responsabilidade política e a defesa da democracia. Ao mesmo tempo em que promete corrigir distorções na aplicação das penas, o projeto amplia a disputa política sobre como o país deve lidar com crimes que colocaram em risco suas instituições e expuseram fraturas profundas no cenário nacional.