“Arcabouço fiscal”, “meta de resultado primário”, “déficit”, “superávit”… Você já deve ter lido ou escutado alguma dessas palavras no noticiário. Antes restritas ao campo da economia, elas estão cada vez mais presentes nos noticiários, o que não quer dizer que o seu significado seja óbvio. Mas, afinal, o que cada uma delas quer dizer?
A apresentação do novo arcabouço fiscal pelo governo foi o grande assunto econômico dos últimos meses. E é por esse termo que vamos começar. O economista-chefe da Alphatree, Raone Costa, explica que o arcabouço fiscal nada mais é do que um conjunto de regras para colocar ordem nas contas públicas.
“É um conjunto de regras para dar previsibilidade à gestão da máquina pública, para que as pessoas consigam fazer contas mais apropriadas de qual vai ser a receita e o gasto do governo daqui pra frente, tentar olhar para o endividamento do país e entender se isso faz sentido, em particular para que os investidores decidam colocar seu dinheiro no país a taxas de juros que não sejam extremamente altas.”
Regras
Pense no orçamento doméstico, por exemplo. Para não ficar endividado ou inadimplente, você tem que seguir algumas regras, como não gastar mais do que ganha em um mês ou, ainda, buscar formas de ter mais dinheiro entrando na conta. Com o governo funciona da mesma forma. Só que tem um detalhe: o Brasil já está endividado.
A dívida pública encerrou o ano passado em R$ 7,2 trilhões. Isso significa que o Brasil deve aos seus credores, sejam eles estrangeiros ou brasileiros, bancos ou cidadãos, cerca de 73,5% do Produto Interno Bruto (PIB). O PIB é a soma de todas as riquezas que o país produz em um ano, e isso é diferente do que o governo tem para gastar. A receita do governo costuma ser bem menor do que o PIB. Em 2022, por exemplo, o país teve recorde de arrecadação desde 1995: R$ 2,2 trilhões.
Isso quer dizer que a dívida brasileira é mais de três vezes maior do que a arrecadação do governo federal. É como se você recebesse R$ 1.000 e suas dívidas já tivessem ultrapassado os R$ 3.000. Isso sem contar as suas despesas correntes, como aluguel, alimentação e transporte.
Por isso, é dever do governo apresentar soluções para controlar a dívida, afinal, as receitas têm origem na arrecadação de impostos da população e uma má administração desses recursos pode trazer prejuízos para todos, especialmente aos mais pobres.
Em 2016, o ex-presidente Michel Temer sugeriu e o Congresso Nacional aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para tentar controlar o endividamento crescente do país. É o conhecido teto de gastos. Na prática, é uma regra que diz o seguinte: o governo não pode gastar mais este ano do que gastou no ano passado. O máximo que o governo pode fazer é corrigir essas despesas pela inflação. Isto é, se em 2022 ele gastou R$ 1.000, mas a inflação foi de 5%, em 2023 ele só poderia gastar R$ 1.050.
Depois da aprovação do teto, de dezembro de 2016 a dezembro do ano passado, a dívida pública passou de 69,8% do PIB para 73,5% do PIB, mesmo com a pandemia de Covid-19 no caminho. Entre 2015 e 2016, a dívida pública subiu 12,6 pontos percentuais. Ou seja, nos dois anos imediatamente anteriores ao teto de gastos, a dívida cresceu mais de três vezes o que cresceu nos seis anos após a aprovação da PEC do teto.
Mas ao aprovar a PEC da Transição no fim do ano passado, o Congresso Nacional decidiu pelo fim do teto de gastos. Deu ao governo do presidente Lula até agosto para apresentar um novo conjunto de regras para controlar a dívida, o que foi feito pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no dia 30 de março.
O economista Raone Costa explica que o arcabouço fiscal apresentado pelo governo também pode ser visto como um tipo de promessa. “É uma promessa do que vai acontecer com as contas públicas no futuro”, diz.
Segundo o arcabouço fiscal, os gastos do governo serão limitados a 70% do crescimento da receita obtida nos 12 meses anteriores. Além disso, o Executivo propõe que, independentemente do que arrecadar, ele poderá gastar entre 0,6% e 2,5% a mais do que no ano anterior. O teto de gastos limitava o crescimento das despesas a zero, na prática. Portanto, era mais rígido.
Na avaliação do deputado federal Gilson Marques (Novo-SC), é importante que o governo siga regras de ajuste das contas públicas, mas ele avalia como negativa a troca de um teto de gastos por um piso mínimo de despesas. “A regra de hoje limita o quanto o governo deve gastar. Nesse novo arcabouço isso deixa de existir. Isso é substituído por uma nova regra, que é de piso de gastos. Tem uma autorização para gastar o mínimo mesmo que não haja crescimento, o que é muito ruim”.
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