Por Gilmar Brunizio

Por Gilmar Brunizio
Carlo M. Cipolla escreveu o ensaio “As leis fundamentais da estupidez humana” que aponta a estupidez como uma força sombria muito poderosa que impede o crescimento do bem-estar e felicidade dos humanos.
O autor nos apresenta cinco leis fundamentais da estupidez humana. Em síntese, são elas: “todo mundo subestima, sempre e inevitavelmente, o número de indivíduos estúpidos em circulação”; “a probabilidade de determinada pessoa ser estupida independe de qualquer outra característica dessa pessoa”. “Uma pessoa estúpida é uma pessoa que prova perdas para outra pessoa ou um grupo de pessoas enquanto não obtém nenhum ganho para si mesma, e possivelmente incorre em perdas”; “Pessoas não estúpidas sempre subestimam o poder de causar danos dos indivíduos estúpidos. Em particular, pessoas não estúpidas se esquecem constantemente de que em todo momento e lugar, e sob qualquer circunstância, lidar e/ou se associar com pessoas estúpidas resulta infalivelmente em um erro altamente custoso”; “uma pessoa estúpida é mais perigosa do que um bandido”
O historiador italiano demonstra que as ações humanas resultam “um ganho ou uma perda e, ao mesmo tempo, causa um ganho ou uma perda a outra pessoa”. De forma didática, por meio de um gráfico, ele divide os seres humanos em quatro categorias: o inteligente, o vulnerável, o bandido e o estúpido. Sendo os que estão abaixo de zero (representado no gráfico) os indivíduos que causam perdas, enquanto os que estão acima são aqueles que obtêm ganhos. Exemplificando, o inteligente gera ganhos mútuos, sua ação proporciona melhoria a todos; O vulnerável gera perda a si próprio e produz ganho a outrem; já o bandido, gera ganho para si e perda para outrem. E o estupido? Este gera perda a todos, agindo conscientemente ou não.
Resumidamente, se a ação do ser humano é positiva para todos, ele se enquadra como inteligente; se sua ação gera perda a si próprio, ele será vulnerável; caso sua ação produza ganho a si próprio e perda a outrem, ele se enquadra como bandido. E como podem observar, se há qualquer tipo de perda, ele se enquadra sempre como um estupido.
Todavia, no presente artigo, temos a pretensão de demonstrar que ações dos gestores públicos na execução do orçamento público, sobretudo, dos chefes dos Poderes Executivos são pragmáticas e, em grau de probabilidade alto, não são altruístas, ao revés são estúpidas e, invariavelmente, os enquadram como bandidos.
A pretensão não é fazer acusações genéricas. Concentramos nossas hipóteses e problemáticas nos casos que os gestores públicos não cumprem suas obrigações contratuais e não pagam os restos a pagar. Utilizaremos como ilustração a ação do Chefe do Poder Executivo que parcelou os restos a pagar em dez anos (Lei Complementar Municipal nº 235/2021), não cumprindo com suas obrigações contratuais e legais. De forma breve, contextualizamos essa ação: O chefe do poder executivo ao assumir o cargo de prefeito da capital fluminense enviou mensagem ao Poder Legislativo para declarar o novo regime fiscal do município, dentre várias ações, a que passaremos a nos ater, o autorizou parcelar – os restos a pagar em dez anos (sem atualização monetária) – as dívidas por seus antecessores.
Pois bem, por intermédio de índices estatísticos – os economistas sabem utilizá-los da forma que mais lhe convêm – demonstraram que o município atravessava séria crise fiscal. Sendo assim, o Poder Legislativo autorizou o malfadado parcelamento.
No primeiro momento, identifica-se uma ação altruísta ou republicana que possui a finalidade de equilibrar o orçamento público, adequando a dívida consolidada com a capacidade econômica do município, garantindo que serviços essenciais não fossem interrompidos. Por outro lado, não podemos caracterizar assim, pois, houve perdas para os fornecedores e para sociedade. Por isso, podemos chamar essa ação de não-republicana ou estúpida, já que em breve período, o chefe do poder executivo já esbravejava nas redes sociais e nos meios de comunicação que tinha equilibrado as contas municipais. Isso porque se instalou um sistema de confisco dos recursos privados, desafogando as despesas, proporcionando ao gestor mandatário uma espécie de reserva de recursos para realizar seus programas de governo e captar votos para manutenção do poder.
De acordo com os ensinamentos sobre a estupidez humana se há alguma perda a ação é estúpida. Resta saber, se o gestor municipal agiu como bandido ou não. Em outras palavras, já temos certeza de que ele agiu como um estúpido, pois, por certo, alguém ou algum grupo sofreu perdas.
Hipoteticamente, podemos elencar alguns ganhos: reequilíbrio orçamentário, especialmente, da dívida consolidada; viabilidade econômica de manutenção de serviços essenciais; adequação das contas públicas; possibilidade de adimplir com as obrigações vindouras contraídas na sua gestão; cumprimento de seus programas de governo – não estamos falando dos interesses de estado; realização de investimentos que possibilitem a captação de votos em eventual reeleição. Observe-se, há supostos ganhos pessoais do gestor público e da Administração. Com isso, levando-se em conta os supostos ganhos (positivos), ele se enquadra na hipótese de inteligente.
Quanto as perdas, elas são inquestionáveis, sendo elas: insegurança jurídica pelo descumprimento de contratos firmados pela Administração Pública; desestimulo dos fornecedores em firmar negócios com o município; elevação dos preços públicos, em virtude dos riscos financeiros advindos da inadimplência contratual; falência e desequilíbrio das empresas que forneceram para o município, por consequência, desemprego e redução na arrecadação de tributos; acúmulo de dívidas para gestores posteriores. Dentre outras que poderíamos citar num estudo empírico mais detalhado.
Encerrando, indubitavelmente, a ação de parcelar restos a pagar caracteriza a execução estúpida e bandida de executar o orçamento público. Embora, não podemos negar que também foi inteligente, ao menos, no âmbito político.
Gilmar Brunizio é Mestre em Direito Público.Advogado.Membro do IAB e IDARJ